segunda-feira, 31 de agosto de 2009

Assuntos são situações
encontradas pela alma a
flutuar por espaços diversos

Quem sabe sons?
Quem sabe versos?

Às vezes eles surgem
E eu não sei se já foram usados
E enterrados na poesia certa
Ou se fugiram d’uma cova aberta

Quem sabe mentiras verdadeiras?
Quem sabe realidades sonhadas?

Rezadas emergindo em um
horizonte vasto de vitórias
e remorsos...

28/03/2003

sábado, 22 de agosto de 2009

Aqui, do alto do mar,
olho para baixo e vejo a mim mesmo
perdido em densas nuvens puras e
estratificadas envoltas em seu próprio mundo

Intensifico a capacidade de receber um elogio
vigio formas e sentidos absolutos
e em ocultos deslizes perfuro o que dizes
e arrebato seu cadáver para o ar

Velhos gestos ganham fortes sentidos
estilos conflitantes, amor ausente
demente partida esquecida

Viajo e recebo palavras proféticas
e sonoras e estéticas reuniões
formam novas e inesperadas possibilidades

Realidades


05/08/2003

sexta-feira, 21 de agosto de 2009

Resgatei no meu sono o sonho que não tive
e me fiz real
desativei um mito mas reativei um sorriso
no ritmo impróprio
desenvolvido em um sistema (i)lógico

Não me importo se as minhas palavras não explicam; complicam
Importo-me simplesmente com o que sinto; instinto

Desafiei o meu próprio tempo
acertei o compasso; escorreguei no mar
e mergulhei em uma nuvem deserta
enquanto um rio levou minhas certezas
dividido em vários caminhos
caminho simultaneamente
e não tropeço
distorço o senso; abdico-me do siso
calculada falta de juízo

perdido, instalei de súbito um silêncio
viajei por entre devaneios
e o que leio não me satisfaz por inteiro
sempre faltam palavras
Um pássaro cantou fora de hora
seu vôo me dividiu e me construiu
sensível em um espaço patético



01/04/2004

sexta-feira, 7 de agosto de 2009

Anarquia Interna

I

Bombas!
destroem e derrubam
Bombas!
matam e explodem
Bombas!
despedaçam e dividem
Bombas!
exprimem e alteram
Bombas!
rodopiam e transformam
Bombas!
matam e criam

II

Entendo a vida como caminhar
em um campo minado
Acontecimentos são bombas metafísicas
cada passo cada pulo cada acaso
ocaso do começo mal clareado
Explosões internas
que dividem o que já era dividido
pulverizam alguns pedaços fracos inúteis
destroem estruturas-pensamentos e
invalidam atos atores alegres ou tristes
aniquilam o restante da esperança...
... da esperança e desfaz-se em lágrimas.
III

Em cada divisão surgem
novas personas infinitamente diferentes
incoerentes (in)existentes
sobreviventes de explosões
Fortes!
Inimaginavelmente fortes
se unem e se distanciam, observam
o mesmo ponto em observatórios rotatórios
racionais-lunáticos
E dão-se as mãos e brincam de roda
abarcam um espaço, um círculo
com mil olhos e mil ouvidos
mil sentidos prontos a perceber mil faces
do único espaço ocupado
Quanto mais bombas explodem
tanto mais aparecem
novas personas infinitamente diferentes
e vejo mais possibilidades
e vejo mais fogo, terra, água e ar
e há uma ganância de ver e de sentir e de ouvir
degustar cada imagem, cada som, cada cheiro

IV

Em cada época há um carro-chefe diferente
Que conduz o enterro com plena alegria
Que discursa e convence com maestria
Várias faces que compõem um ser concretamente

Em cada época calam-se vários passos
E esperam a hora certa para emergir
Para fazer chorar, sorrir e agredir
Fortalecer e merecer a conquista de mais espaços

Mas há de um dia se levantar
Uma face que lidera e partilha
Sem a voz de outros sufocar
E em paz juntos e vivos seguirem uma trilha

V

Mas o que se quer
e a função explosão
disjunção coesão
anunciada a partir
de todas as possibilidades
criadas no decorrer de ações imaginações
é o não a mortes e a solidão
mas a unificação específica
particularmente instituída
a ter a visão especial do espacial
sem Reis
e sim cada parte e cada parte
a cuidar do um todo.
Anarquia Interna!


10/01/2003

terça-feira, 4 de agosto de 2009

Uma Visão

Fito teu olhar colorido-incandescente
a emitir imagens psicodélicas
bélicas envolventes aéreas:
belas!

Fito teu sorriso alegre-brilhante
a instituir doidos devaneios
meios cheios de amor:
dor!

Fito tua voz suave-celeste
a embalar linhas melódicas
vodkas líricas displicentes:
envolventes!

Fito teu espírito carinhoso-sensível
passível de produzir encantos
cantos numa alma estética:
poética!

O passado rememorado indolor
torna-se válido inexistente
frente ao incerto instante:
vacilante!

26/02/2003

sexta-feira, 31 de julho de 2009

Sinestésico

Flores dispersas
Sinestésicas
Odores, cores (in) dolores
Paixões inebriantes que desequilibram funções
inexatas de mentes inaptas

Vulcões em erupção
Imensidão
Calores, barulhos (in) digestos
Depressão enfumaçada que turva imagens
influentes de olhos ausentes

Melodias frias
Alegrias
Feridas, miragens (in) odoras
Razão estática que contrabalanceia sugestões
desvairadas de línguas abstratas




24/01/2003

Vivência

VIVÊNCIA


Não me canso de estar vivo
Estratifico meus sentidos
a espera de momentos melhores
histórias sensibilizadas estilizadas
Contadas em pequenos versos
dispersos por entre alamedas esquivas
esquinas diluídas esquecidas em encontros alcoólicos
sólidos e intensos pensamentos vivificados
autorizados e anotados nos enganos jogados
em memórias amnésicas e estéticas
proféticas anedotas semióticas
óticas éticas metódicas
exóticas existências incoerentes
E, dentro de minha mente insana,
uma profana visão distorcida!



18/07/2003

Visões

VISÕES

Traduzo em poesias os meus
desesperos, receios, ressentimentos
meus mais ocultos sentimentos

Vejo portas e janelas fechadas
e um barco sumindo no horizonte
Enquanto a criança presa corre suja
solta pelas ruas alagadas de ar

Vejo caminhos encaixotados
expostos em vitrines, lucros uniformidade
E o gosto amargo decorrente de um
beijo roubado de um sonho passageiro

Vejo um muro branco a fechar o mar
e uma aliança esquecida da areia
Violência insalubre explícita dirigida
em palavras insípidas atraentes

Vejo um verme alado
a importunar estátuas gigantes estáveis
E uma flor linda-exótica a nascer
no crânio-cadáver de um motor

19/02/2003

quarta-feira, 20 de maio de 2009

Posto de (não) Observação

Fui correndo para o meu posto de não observação
Juntos escutamos uma ave de mau agouro
que voava perto de uma tempestade de ilusões
Reparti-me na coesão de dois hinos célebres
e deverias me banhar com a inquietude de um sorriso
impreciso, digo audaz
Refaz em mim o futuro dispersado pelo passado
ousado sonho mordaz
Me fiz inteiro mas me perdi
entendi que sou em partes
Me dividi e enxerguei por inteiro
subi em um outeiro
observei, incrédulo, o movimento metafísico do mar
seu ar apaixonado encontra-se
cansado ou desiludido
Saí crente em ter visto, para além da chuva que cai,
uma sombra quase conhecida
esquecida atrás d’uma neblina chamada Tempo!

As mensagens continuam a chegar
e daqui de meu posto percebo
as mensagens que continuam a chegar

Discordo freqüentemente de hábitos alienados e impostos
algumas palavras exatas e inexatas me trazem novamente
à realidade
palavras dão-me a sensação incólume de estar puramente vivo
convivo com suas lembranças inexistentes
e não me esqueço que arrancastes de mim
um sorriso uma lágrima e um sorriso

Meu relógio anda desigual
da freqüente chuva que freqüenta meus cabelos
sinto deixar passar um pequeno vazio imenso
enquanto minha luta diária está vazia, esvaziada de sentidos sinceros

Estou em meu posto de não-observação
Uma parte da parte que sou está sempre vigiando atenta
de meu posto de observação
você ainda sorri e encanta
soma a cartas hipóteses (in)alteradas
e impõe funções à uma parte da parte
do poeta inespecífico e fragmentado,
que por força de observações e emoções e observações,
se despertou

27/01/2004

ALUCINAÇÃO

ALUCINAÇÃO

Não culpem-me pelo peso excessivo
e nem pelos dizeres de uma memória alucinada
Todo o dia se passou como todo dia se passou
e vejo no horizonte um beijo ardente
Senti-me nostálgico por causa da canção
mas mesmo assim me dedico arduamente
para um futuro que já se passou
e nunca se passou...
Formas de carinho são imprecisas
e preciso me rever intacto sob a lua

Fértil, extremamente fértil
um mergulho em fontes de águas escuras
clareia todo o espírito estético
perdido dentro de mim

Nada sei de um forte calafrio
ansiedade, medo, temor
um amor sinestésico não vivido
Dividido
esquecido sob as cinzas de uma parte, metade
Confundo os lugares que passei
efetivamente não são muitos os lugares que passei
Contraste com os meus sentimentos
vívidos e não explicados
Pelo que eu saiba
nunca perdi o que há de melhor em mim: imaginação

Situei-me à margem
e desfiz o caminho mais provável; coragem
clareio um mar e me escondo sob as folhas de uma árvore
O livro estava aberto
e nunca me atrevi a rabiscar suas folhas
mas sempre reli e entendi todo o teor de palavras retomadas

Um pássaro rumou para seu ninho
desfiz contatos
e atropelei um galho
que corria leve no fundo do mar
Distraído
pensei em não mais voltar


01/04/2004

DIVERGÊNCIA EXTERNA

DIVERGÊNCIA EXTERNA

Faz-se um dia sombrio
sóbrio, não permiti que estendesses tua rede a meu lado
Cansado, desisti da incoerência da produção
e percebi, perplexo, a imperícia do mundo
Perplexo, como alguém que não sai de seu lugar impróprio
e desanda a chorar por timidez
ou, quem sabe, por covardia

Em um estádio lotado deixei meu corpo
e observava incrédulo e tenso as águas caudalosas deste rio
inapto que julga-se o máximo
As margens delimitam exatamente
o que se pensa ser o único caminho provável
Não mais me vi obrigado a marchar submisso
por entre um mar de ilusões e possibilidades
Ainda prefiro ser filosófico e poético
a ter que comprar um item inútil novo
Repasso meu grito
Ridículo, me vejo frente a meus semelhantes
mas, ainda assim, sigo meu ritmo lento pensante

Desafio conceitos consagrados e estrago relacionamentos
com essa impetuosidade de não se convencer facilmente
Acabo, por fim, meditando solitário
por entre nuvens brancas de concreto
Acerto uma marcha desigual
cheia, porém fantasiosa
e uma lápide que mirei
funciona como uma alavanca imprópria
para um sopro que alcancei
03/02/2004

segunda-feira, 11 de maio de 2009

Indicações

INDICAÇÕES


Segui setas insinceras
e dispensei o funeral por me ver
moribundo frente ao seu olhar inteligível
Teci uma mortalha inimitável
e cansei-me de esperar
Andei na chuva, molhando os pés na enxurrada
Verifiquei meu pulso e constatei
que o mar estava agitado
Hoje não mais me calo frente à tempestade
Temi seu sono e soprei os cabelos
descoloridos que se apresentaram quentes
Amei um sorriso... um sorriso... um sorriso...

Viajei e dobrei a esquina
encontrei-me comigo observando o não-movimento;
reflexão
Sorri e inventei uma nova dança
escondi meu rosto em tuas mãos
aproveitei o momento inerte
e saí dos trilhos
novamente colhi setas e mais setas
segui caminhos...
e nunca mais me encontrei


26/02/2004

sábado, 2 de maio de 2009

Posto de Observação

POSTO DE OBSERVAÇÃO


Em meu quarto penso a existência do mundo
Falta excelência, dilui-se a essência
Num passo compasso
Marcado e
Forçado

Aqui eu confisco o milionário e a prostituta
E o aluno em formação
Na troca; salário
Vestiário e
Submissão

Aqui viajo livre por entre livros e palavras
E em jornais e notícias
Poesias; realidades
Verdades e
Fantasias

Vejo o livre amor traduzido em conflito
E palavras deslocadas
Fabricadas; estudadas
Inventadas e
Validadas

Namoro deusas inexistentes esculpidas
Em padrões vigentes
Voláteis; coercivos
Instáveis e
Submissos

Navego em páginas rápidas conectadas
Mercantilismo forte frustrado
Liberdade; informação
Formação e
Identidade


03/06/2003

domingo, 26 de abril de 2009

Fantasias

Fantasias


Tudo de loucura que aconteça
Configurações produzidas pela cabeça
Fantasias: vidas inteiras sem existência
Contra o princípio da ciência
Relutam em nós sobreviver

Em momentos de pura solidão
Criações que se tornam ilusões
Como acontece com um coração
Que está cansado de paixões
E teme novamente se perder

Nas batalhas que não pude conquistar
Pelo medo que de mim se apodera
Como se na atmosfera
De repente acabasse o nosso ar
E não pudesse mais se viver

Mesmo impossível de se materializar
Causando uma terrível ferida
Sem sentido se torna a nossa vida
Sem um sonho pra se realizar
E toda uma vida se perder

sábado, 25 de abril de 2009

Batismo

BATISMO

Vi-me, de certa forma, distante
por um longo breve instante
a observar calado a calma de um lago
propago a certeza da calmaria
Chego perto e vejo sons
folheio míseras atitudes inertes
e sobrevôo soberano sobre ondas irrisórias
Sinto-me grande
conquisto aplausos surdos
e vejo meu reflexo distorcendo-se na clareza das águas
Um peixe mágico brinca
e solta uma voz inteligível à procura de meus tímpanos
não vou além e fico sempre a contemplar

Após um longo breve instante inerte mergulho
e uma forte correnteza me arrasta
sem fôlego, procuro ar e palavras
paralítico, escondo meus pés
e desejo ardentemente construir um casulo
e me esconder, sempre me esconder
Travei uma batalha, perdi o espaço
associei desejos e destruí o cansaço
Navego rápido, inutilmente rápido
mais rápido do que o tempo necessário para se auto-constituir
Me enquadro na marcha e sigo necessariamente para a frente
e incólume consigo atingir o mar
e marcar exatamente o meu próprio ritmo
E em todos os espaços imperam sons estéreis
10/05/2004

Noite (in)Esquecível

NOITE (IN) ESQUECÍVEL

I

Vejo estrelas
e um luar patético que invade minha pobre alma
o silêncio é entrecortado por sons esparsos
jorrados levemente e esparsamente
Caminho por uma calçada inexistente
fisicamente inexistente
como a própria caminhada inexiste
Caminho por entre sonhos (não) velados
descansos profundos, descansos forçados
descansos levemente entrecortados
Vigília e Insônia
ou, quem sabe,
um tumulto horripilante sinestésico
estruturado em sonhos tensos

II

Uma estrela cadente riscou um céu
ofuscado por luzes artificiais
o homem que agora descansa já muito construiu
e destruiu belezas naturais
e também o céu quer invadir
Muitos quilômetros a estrela percorreu
para morrer desintegrada na atmosfera terrestre
Pedidos não são atendidos
Suspendo minhas observações
e suspendo meu olhar ao céu
Como que me desfazendo
em uma prece impotente e sincera
meditando meus medos, vontades e realidades
distraio-me em meus sonhos que sonho acordado
e viajo como que realmente
por uma vida irreal

III

Certa vez me apaixonei por alguns olhos falsos
e neles cri fielmente, sendo deles o próprio autor metafísico
e era seu super-herói particular
pronto a atender todos seus desejos
pronto a salvá-la de situações improváveis
E sempre procurei encontrá-los realmente

IV
Dois gatos enamorados me trazem novamente á realidade
e escuto gritos como que crianças insones
e distraio-me novamente imaginando
quantas pessoas deliciam-se mutuamente
E em nada esta solidão me é depressiva
Vasculho minha memória
e resgato histórias irreais
de amores surreais e improváveis
Mas os gatos continuam com seus afazeres
E são pardos os gatos que continuam com seus afazeres
Entedio-me e olho além
Os gatos entendiam-se também e vão-se embora
e me deixam livre
e sem gatos
V
Impressiono-me com a luz de um vaga-lume
e fico perplexo com a quantidade de
seres que habitam a noite
seres que vivem simplesmente vivem
e lutam para simplesmente viver
A luz que passa não arrasta vivências
detenho minha atenção num reflexo
de luz que brilha soberana por entre luzes
Sirvo de alimento
à insetos impertinentes
Um mini-assassinato torna-se evidente
mancho minhas mãos de meu próprio sangue roubado
e percebo inerte as horas insones que passam

VI
Uma pessoa cruza a rua dentro do campo de minha visão
me sinto vivo
e tenho pena de alguém que não está dormindo
Ao longe escuto um grupo
cantando uma canção romântica distante
vozes desafinadas e bêbadas surgem
e caminham espaçosos por um espaço pequeno-apertado
Luzes novas acendem-se e a campainha soa
Luzes piscantes levam vozes embora
e lágrimas e sorrisos escorrem paradas de cima da janela
Imagino este momento célebre e real
com uma emoção simples
e saudosista
aguardando um momento assim para recordar
Várias janelas se abrem
já não me sinto sozinho
mas me vejo único e impotente frente à sonolência do mundo

VII

Uma voz sensível me chama de dentro de um abrigo real
mas não me impede de
ficar a andar parado em meus pensamentos
E sigo em frente...

VIII

Descubro pelos telhados imagens pouco prováveis
e me divirto com a agitação possível
de um casal de namorados que se agitam no escuro
Isto, namorem!
Vocês não sabem quantas desilusões o dia
que irá chegar pode trazer
Ah! Quantas lembranças do tempo em que eu não pensava!
(Como se algum dia fiquei sem pensar)
Tudo acontece; tudo observo
e não tenho companhia para compartilhar
este momento
madrugada afora
Olho o relógio e não me sinto diminuído em não dormir
e ainda falta tempo para uma correria diária
e inerte que em nada me atrai
Deixo a noite passar em claro e o dia a vir
passar em escuro
Deixo o outro dia para o outro dia

IX

De repente penso em soltar um grito instantâneo grito solto
para acordar toda a vizinhança
e não acordo nem a mim mesmo
com um grito poético e inexistente
travado por um medo de incomodar e de me ver
impossibilitado de observar anonimamente
todas as observações que agora faço
e deixo para lá toda a possibilidade de um grito real

X

Continuo patético a sentir um vento frio
aqueço-me com uma velha blusa
que outrora fora fonte de orgulho
e admiração visível e coerente
a emoldurar e proteger células iguais
células fabricadas em séries
já não me sinto desconfortável
meu corpo reage bem e destrói
qualquer possibilidade concreta de sono
Fito novamente toda a realidade de perto de mim
e acredito entendê-la por inteiro
e nada agora me prende a atenção
volto às minhas viagens internas

XI

Ontem à noite a chuva impediu-me de ver
algo além da própria chuva que caía na vidraça
senti-me inútil e anônimo
e resolvi fazer algo inesquecível em uma noite
que não seja a noite que chove...
O barulho atormentou meu cérebro
e me vi deitado à beira do sono.
Dormi profundamente

Hoje não há chuva
mas também não caiu uma torrente de ânimo sobre mim
e esta noite continuará esquecível
como tantas outras.
Deixo a inesquecibilidade para outra noite sem chuva
e inesquecível

XII

Observei a lua mais próxima
e me vi jogado leve
flutuando por entre suas crateras
Me vi menos lunático, se flutuasse leve na lua
ao invés de flutuar crédulo por entre
imagens fabricadas em momentos insólitos
Observei uma coruja a me observar
e percebi
que muito ainda há para observar
Levantei novamente meus olhos e
senti-me pequeno e minimamente iluminado
A distância impede um maior crescimento
Impotente resolvo não mais levantar os olhos, momentaneamente

XIII

Uma ave me chama a atenção quanto
ao surgimento de novas luzes, fortes
Incrédulo, deixo-me invadir por esta realidade
e verifico que a noite está no fim
Barulhos de automóveis rompem o silêncio
Ruídos de civilização...; progresso
Correria anunciada
hematomas distribuídos a corpos e corações
tensões no que tencionam viver
trabalho, trabalho, trabalho
e pouco espaço para realmente ser
Continuo calado
e não engulo este ar que me chega
Prefiro respirar o ar pouco sufocado
de dentro de mim

XIV

No horizonte levanta-se um sol real
e eu deito-me em minha realidade esquecida
distribuo um sorriso patético e adormecido
inscrito num espaço estético cansado
Já não há mais escuridão possível para me ocultar
e toda (i)realidade criada dilui-se na luz crescente
no que diminui-se minha paixão
Cansado, há um dia sonolento pela frente
sinto-me ausente e indestrutível
Sensível alegria desperta
no que se passou...

Círculo

CÍRCULO


Um navio cruza um céu aberto
isento de preocupações que estava
Uma estrela brilha distante
invadindo um mar tenso e tenro
recortado em imagens não estabelecidas em um inconsciente coletivo
De um rádio ouvem-se melodias psicodélicas
dias inteiros afogam-se solitários
O corre-corre do dia-a-dia
em nada auxilia na construção efetiva
de portos imaginários e seguros
Autores descontentes desaceleram atitudes estabanadas
e marcam crentes uma possível marcha impossível

Dragões alados assombram mentes inexpressíveis
multidões e multidões de mentes inexpressíveis
consumo...consumo...consumo
e uma dor infinita dilacerando qualquer possibilidade
Alguém proferiu um grito consciente
mas risadas pobres e sarcásticas o abafaram
Risadas pobres e sarcásticas sempre prevalecem...

O navio ancorou em um porto metafisicamente real
olhos ferozes ignóbeis aguardavam o desembarque
sempre há olhos ferozes ignóbeis no desembarque



19/02/2004

Início

Penso sempre em deixar minhas palavras poesias registradas para além de mim. Já namorava a ideia de escrever um blog a um bom tempo, para que outras pessoas leiam, comentem, enfim, deixem um recado para que eu perceba (ou não) se tenho jeito para a poesia... assim começo a postar com um antigo texto que fiz...

“Queriam-me casado, fútil, quotidiano e tributável?”

A sensibilidade destas palavras às vezes ataca meus sentidos. Sinto-me na necessidade incoerente e inconstante de percorrer possibilidades desta questão. Não à divisão de suas partes, mas ao espírito que ela carrega como um todo. Já me vi vagando várias vezes por entre estas palavras. Já as incorporei em parte ao meu dia-a-dia (quotidiano?). Somente em parte. Não me atribuo a genialidade de incorporar totalmente este espírito. Não tenho uma vida comum, é certo, mas onde está a marca da diferença? Onde está o rompimento específico que norteia meus passos, meus desejos. Não há nada, ou quase nada. Existem palavras. Existem versos. E nestes versos encontro todas as possibilidades liberdades que não rompi na realidade e ficaram incrustadas em minha mente. Memória. Memórias remexidas que não dividem realidades e fantasias. Ou pura invenção de desejos. Assim são meus versos aqui agrupados. Dizem e não dizem de mim. Não são exatamente eu. Diria que se parecem mais com um labirinto, móvel, onde há caminhos diversos, os quais podem me revelar um pouco, mas que aparece sempre em contínua mudança, apontando caminhos estranhos caminhos diversos caminhos. O que há de melhor é perder-se por entre os versos. Ou perder-se neste labirinto.